Quando li o primeiro romance publicado de Fernanda Torres, intitulado FIM, tive a impressão de que os cinco personagens principais na trama pareciam sustentar a mesma voz, com discretas ressalvas. Atualmente, e após ter torcido muito pelo Oscar de melhor atriz para nossa querida Fernanda (que infelizmente não veio), chegou a vez de ler este que é seu segundo romance, cujo título é A GLÓRIA E SEU CORTEJO DE HORRORES. De imediato já posso destacar um aspecto favorável na leitura: estamos diante de um único narrador, cuja autora fez com que sua voz enchesse as páginas da obra de modo tão crível a ponto de quase me fazer esquecer que se trata de uma mulher dando voz ao protagonista Mario Cardoso.
A trama permeia a trajetória
de um ator consagrado que trabalhou em várias novelas de sucesso no país.
Contudo, mais velho, Mario encasqueta com a ideia de interpretar Shakespeare no
teatro, culminando num período de sua carreira que exibe glória e fracasso em
tempos alternados. Não é preciso que mais do que isso seja exposto como sinopse;
com essa premissa em curso, a história pega o leitor pela mão e o leva através de
uma narrativa honesta, ácida e explícita, de um homem vaidoso e irônico.
Através de seu protagonista, Fernanda
Torres constrói uma espécie de alegoria da vaidade humana confrontada com o
tempo, sem deixar explicitado uma questão que me pareceu central: o fascínio
que a fama é capaz de exercer nas pessoas. Mario Cardoso é o típico artista que
foi lapidado pelo olhar de seu público, portanto, carrega uma forte noção de
identidade própria pautada na aprovação de terceiros. Contudo, à medida que o
tempo passa e os aspectos biológicos do humano decaem, toda a estrutura
narcísica acaba por ruir. É como se o “cortejo de horrores” incutido no título
da obra, fosse um agouro inescapável.
Apesar da premissa parecer densa,
Fernanda Torres sabe dosar a narrativa de modo a evitar alongadas
monotonias ou inflexões de sua personagem. A autora ironiza o universo das
celebridades e o vazio das relações pautadas pela fama, mas tece uma mesclagem
do drama humano com certo tom irreverente.
Seria esta obra uma
autocrítica disfarçada de ficção? O fato de Fernanda Torres pertencer ao
mesmo universo de seu protagonista, não parece tornar sua escrita enviesada ou
menos autêntica. Pelo contrário, há momentos em que a autora parece rir da
classe artística, o que ao meu ver deixou o texto com uma percepção de
honestidade, de quem conhece o ambiente que cerceia seu texto. Imagino que seja
preciso coragem em retratar o lugar em que ainda se atua e convive.
Mario Cardoso é o arquétipo preciso de uma masculinidade vaidosa, performática e, ao mesmo tempo, frágil. Um homem que vive de sua imagem, mas percebe a própria decadência quando esta imagem se desfaz. Sua voz hora agrada pela honestidade, e noutros momentos nos deixa com vontade de parar de ler, tamanhas inconstâncias. É claro que se trata apenas de um achismo, mas fiquei com a impressão de que Fernanda Torres, sendo ela uma atriz, tenha convivido e visto de perto muitos Mario Cardoso ao longo de sua carreira. Ou seja, o olhar feminino parece ter aumentado a proximidade entre ficção e realidade.
A GLÓRIA E SEU CORTEJO DE HORRORES é um romance sobre vaidade, decadência, vazio existencial e mediocridade humana. O riso e a ironia servem como leve sopro na ferida social, onde tudo soa tangível: os bastidores, a corrupção e o declínio moral. Não se sabe se a autora criou uma ficção que é espelho da realidade, ou se fez exatamente o oposto: deu-nos a realidade, mas chamou de ficção para torná-la, digamos, um pouco mais palatável.
NOTA: 8,2

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