quarta-feira, 19 de novembro de 2025

RESENHA DE LIVRO – A GLÓRIA e seu cortejo de horrores

Quando li o primeiro romance publicado de Fernanda Torres, intitulado FIM, tive a impressão de que os cinco personagens principais na trama pareciam sustentar a mesma voz, com discretas ressalvas. Atualmente, e após ter torcido muito pelo Oscar de melhor atriz para nossa querida Fernanda (que infelizmente não veio), chegou a vez de ler este que é seu segundo romance, cujo título é A GLÓRIA E SEU CORTEJO DE HORRORES. De imediato já posso destacar um aspecto favorável na leitura: estamos diante de um único narrador, cuja autora fez com que sua voz enchesse as páginas da obra de modo tão crível a ponto de quase me fazer esquecer que se trata de uma mulher dando voz ao protagonista Mario Cardoso.

A trama permeia a trajetória de um ator consagrado que trabalhou em várias novelas de sucesso no país. Contudo, mais velho, Mario encasqueta com a ideia de interpretar Shakespeare no teatro, culminando num período de sua carreira que exibe glória e fracasso em tempos alternados. Não é preciso que mais do que isso seja exposto como sinopse; com essa premissa em curso, a história pega o leitor pela mão e o leva através de uma narrativa honesta, ácida e explícita, de um homem vaidoso e irônico.

Através de seu protagonista, Fernanda Torres constrói uma espécie de alegoria da vaidade humana confrontada com o tempo, sem deixar explicitado uma questão que me pareceu central: o fascínio que a fama é capaz de exercer nas pessoas. Mario Cardoso é o típico artista que foi lapidado pelo olhar de seu público, portanto, carrega uma forte noção de identidade própria pautada na aprovação de terceiros. Contudo, à medida que o tempo passa e os aspectos biológicos do humano decaem, toda a estrutura narcísica acaba por ruir. É como se o “cortejo de horrores” incutido no título da obra, fosse um agouro inescapável.

Apesar da premissa parecer densa, Fernanda Torres sabe dosar a narrativa de modo a evitar alongadas monotonias ou inflexões de sua personagem. A autora ironiza o universo das celebridades e o vazio das relações pautadas pela fama, mas tece uma mesclagem do drama humano com certo tom irreverente.

Seria esta obra uma autocrítica disfarçada de ficção? O fato de Fernanda Torres pertencer ao mesmo universo de seu protagonista, não parece tornar sua escrita enviesada ou menos autêntica. Pelo contrário, há momentos em que a autora parece rir da classe artística, o que ao meu ver deixou o texto com uma percepção de honestidade, de quem conhece o ambiente que cerceia seu texto. Imagino que seja preciso coragem em retratar o lugar em que ainda se atua e convive.

Mario Cardoso é o arquétipo preciso de uma masculinidade vaidosa, performática e, ao mesmo tempo, frágil. Um homem que vive de sua imagem, mas percebe a própria decadência quando esta imagem se desfaz. Sua voz hora agrada pela honestidade, e noutros momentos nos deixa com vontade de parar de ler, tamanhas inconstâncias. É claro que se trata apenas de um achismo, mas fiquei com a impressão de que Fernanda Torres, sendo ela uma atriz, tenha convivido e visto de perto muitos Mario Cardoso ao longo de sua carreira. Ou seja, o olhar feminino parece ter aumentado a proximidade entre ficção e realidade.

A GLÓRIA E SEU CORTEJO DE HORRORES é um romance sobre vaidade, decadência, vazio existencial e mediocridade humana. O riso e a ironia servem como leve sopro na ferida social, onde tudo soa tangível: os bastidores, a corrupção e o declínio moral. Não se sabe se a autora criou uma ficção que é espelho da realidade, ou se fez exatamente o oposto: deu-nos a realidade, mas chamou de ficção para torná-la, digamos, um pouco mais palatável.

NOTA: 8,2

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